Associação Nacional dos Agentes de Polícia do Ministério Público

A Ausência de Tutela de Direitos Humanos para as Vítimas de Delitos: Um Desafio ao Sistema Jurídico Contemporâneo – por Carla Thais Santiago Azevedo

Brasília, 22 de janeiro de 2025.

Resumo:

O sistema de justiça penal tradicionalmente concentra-se na relação entre o Estado e o acusado, negligenciando, muitas vezes, a posição da vítima, colocando-a em total desamparo e falha na aplicação dos Direitos Humanos para estes. Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e outros instrumentos internacionais enfatizem a proteção universal dos direitos, as vítimas de delitos frequentemente permanecem marginalizadas no processo penal e além dele. Esse desequilíbrio suscita questões sobre a insuficiência das políticas públicas e normativas para assegurar uma resposta efetiva aos danos sofridos pelas vítimas.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Insuficiência; Marginalização; Negligência; Vítimas de Delitos.

 

  1. Introdução:

 

Os direitos humanos trazem pilares fundamentais das democracias modernas, alicerçadas em princípios de dignidade, igualdade e proteção contra abusos. Contudo, o foco do sistema penal tradicional tem sido predominantemente voltado para o autor do delito, deixando as vítimas em uma posição de vulnerabilidade e desamparo. Esse desequilíbrio levanta questões sobre a capacidade do sistema jurídico de atender às necessidades de todas as partes envolvidas. A tutela desses direitos tem historicamente enfatizado a proteção de garantias fundamentais dos acusados no sistema penal, deixando lacunas significativas na assistência e na promoção dos direitos das vítimas de delitos. Este artigo busca analisar criticamente as razões dessa disparidade, seus impactos na efetivação da justiça e as alternativas viáveis para uma proteção mais equitativa.

  1. O Cenário Atual da Tutela de Direitos Humanos das Vítimas

 

Autores como Ferrajoli (2002) e Zaffaroni (1991) destacam que o modelo penal contemporâneo prioriza a garantia de direitos do acusado, muitas vezes em detrimento das necessidades das vítimas. Segundo Ferrajoli, o garantismo penal, ao proteger o indivíduo contra o arbítrio estatal, resulta em uma visão unidimensional da justiça penal. Essa perspectiva, embora necessária, torna-se insuficiente ao não considerar plenamente os interesses das vítimas.

 

Por outro lado, as vítimas enfrentam desafios que podem ser considerados atentatórios e vexatórios, como a revitimização no processo judicial, a falta de acesso a mecanismos de indenização e a ausência de medidas efetivas de proteção. Esse contexto revela uma falha sistemática no cumprimento das obrigações estatais em relação às vítimas.

 

  1. O Marco Internacional de Proteção às Vítimas

 

A Declaração sobre Princípios Fundamentais de Justiça para Vítimas de Crimes e Abuso de Poder, adotada pela ONU em 1985, constitui um marco na tentativa de ampliar a proteção às vítimas. Contudo, a efetividade de tais instrumentos depende da incorporação em legislações nacionais e da implementação de políticas públicas que assegurem a reparação e a reintegração das vítimas.

 

No Brasil, a legislação é marcada por avanços pontuais como a Lei nº 9.099/1995, que busca oferecer soluções mais rápidas e menos traumáticas para as vítimas. No entanto, tais medidas são insuficientes frente à complexidade das demandas contemporâneas.

 

  1. A Necessidade de Uma Abordagem Equilibrada

 

A doutrina moderna sugere uma revisão do sistema de justiça penal para incluir a vítima como sujeito de direitos. Nesse contexto, autores como Shecaira (2004) defendem a adoção de modelos restaurativos, que buscam equilibrar a relação entre o acusado, a vítima e o Estado. Tais modelos não apenas promovem a reparação do dano, mas também fortalecem a dimensão comunitária da justiça.

Para superar os desafios apontados, é necessário adotar medidas que promovam uma abordagem mais equilibrada. Algumas propostas incluem:

Criação de Centros de Atendimento às Vítimas: Esses centros poderiam oferecer assistência jurídica, psicológica e social, garantindo um acolhimento humanizado.

Incorporação de Práticas Restaurativas: A justiça restaurativa visa reconstruir relações e reparar danos, colocando a vítima no centro do processo.

Fortalecimento da Legislação: Propostas legislativas que garantam indenização rápida e eficiente para as vítimas devem ser priorizadas.

Educação e Sensibilização: A formação de profissionais do Direito deve incluir um enfoque mais amplo sobre os direitos das vítimas, fomentando uma cultura de respeito e empatia

 

  1. Conclusão

 

A ausência de tutela efetiva dos direitos humanos para as vítimas de delitos reflete uma falha estrutural grave no sistema jurídico, que precisa ser corrigida para assegurar um equilíbrio entre a proteção dos acusados e as demandas das vítimas. A implementação de uma abordagem mais humanista e centrada nas vítimas é fundamental para que o direito penal cumpra sua função social e reafirme os princípios de dignidade e justiça. A proteção dos direitos humanos não pode ser plena enquanto as vítimas de delitos forem ignoradas ou tratadas como meras coadjuvantes no processo penal. É imprescindível que o sistema jurídico reconheça suas responsabilidades para com essas pessoas, promovendo um ambiente de justiça inclusiva e equitativa. Somente assim será possível concretizar os ideais de dignidade e igualdade que fundamentam os direitos humanos.

 

Referências:

 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 21/01/2025.

 Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://www.un.org. Acesso em: 21/01/2025.

 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 LEI nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 21/01/2025

 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração sobre Princípios Fundamentais de Justiça para Vítimas de Crimes e Abuso de Poder. Nova York, 1985.

 SHECAIRA, Salo de Carvalho. Justiça Restaurativa: Paradigma Ético-Político. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A Perda da Legitimidade do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991

 

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Tel: (61) 99880-6957


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