PROCURADORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA) QUEREM USAR RECURSOS DE ACORDOS JUDICIAIS PARA BANCAR “PENDURICALHOS” SALARIAIS

Brasília, 13 de outubro de 2025

Procuradores querem usar dinheiro público de reparação social para bancar “penduricalhos” e reajustes próprios

 

Um movimento silencioso, mas de grande impacto, está em curso no alto escalão do Ministério Público da União (MPU). A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) encaminhou ao Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, o Ofício nº 329/2025, propondo que recursos oriundos de acordos judiciais — ANPPs (Acordos de Não Persecução Penal), TACs (Termos de Ajustamento de Condutas), Colaborações Premiadas e Acordos de Leniência — sejam tratados como “receitas próprias” da Instituição.

 

Na prática, isso abriria caminho para que bilhões de reais que hoje financiam políticas públicas e reparações sociais sejam redirecionados para garantir reajustes salariais e penduricalhos aos procuradores do MPU — um grupo já situado no topo da estrutura remuneratória do Estado com salários mensais que, na média, atinge mais de R$ 60 mil reais.

 

Verba da sociedade para a elite

Hoje, os valores provenientes desses acordos são destinados a reparar danos causados à coletividade, como nas áreas de saúde pública, meio ambiente, direitos do consumidor, educação, combate à corrupção e fortalecimento do sistema de justiça.

 

A proposta dos procuradores pretende romper com esse princípio público e social, transformando tais verbas em instrumento de alívio orçamentário interno, sem submissão à Lei Complementar nº 200/2023 (novo arcabouço fiscal). Ou seja: recursos que deveriam ir para hospitais, escolas e programas sociais podem parar no contracheque de quem já ganha os maiores salários do funcionalismo público federal.

 

Brecha aberta pelo STF

A ANPR baseia sua proposta em uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7641, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), na qual se firmou o entendimento de que as receitas próprias do Poder Judiciário da União, tais como custas e emolumentos, não se submetem ao limite de despesas imposto pelo arcabouço fiscal. O efeito foi uma folga orçamentária  de cerca de R$ 2,6 bilhões para o Judiciário em 2026.

 

Os procuradores querem o mesmo tratamento, alegando que a “simetria constitucional” entre magistratura e Ministério Público lhes garantiria direito equivalente. Traduzindo: se os juízes podem turbinar o próprio orçamento com receitas próprias, os procuradores querem fazer o mesmo.

 

Privilégio travestido de “simetria”

Embora o ofício evite admitir abertamente, o objetivo é claro: garantir reajustes salariais e “penduricalhos”. A ANPR alerta no documento que, sem esse reforço de caixa, poderia haver “fratura” no princípio da simetria com a magistratura, deixando os procuradores para trás na corrida salarial com os juízes federais.

 

Essa narrativa tenta apresentar a proposta como “correção técnica”, mas o resultado concreto é a manutenção — e possível ampliação — de privilégios de uma casta no serviço público, enquanto a ampla maioria dos trabalhadores enfrenta congelamentos salariais e cortes orçamentários.

 

Conflito de interesses escancarado

O uso de recursos de acordos judiciais para bancar folha de pagamento e benefícios levanta sérias questões éticas e morais. Os mesmos procuradores que negociam valores de reparação seriam diretamente beneficiados pelo volume arrecadado.

Esse arranjo cria um conflito de interesses perigoso: quanto maior o valor dos acordos, maior a folga no caixa para reajustes e implementação de “penduricalhos”.

 

Isso abre espaço, por exemplo, para eventuais distorções, decisões parciais e um incentivo perene e perverso à celebração desses instrumentos de medidas despenalizadoras não pelo interesse público, mas pelo benefício corporativo.

 

O povo paga a conta

Enquanto setores essenciais — como educação, saúde, segurança e infraestrutura — lutam por orçamento, inclusive, podendo ser beneficiados diretos pela arrecadação pecuniária advindas desses acordos, o topo da estrutura estatal articula para cessar esse dinheiro para as causas de interesse social e da coletividade, para criar mecanismos para se blindar das restrições fiscais e ainda aumentarem os recursos orçamentários à disposição do MPU.

 

A entidade sindical e seus representados veem o movimento com preocupação: trata-se de mais um capítulo da disputa desigual por recursos públicos, em que os de cima garantem seus privilégios enquanto os de baixo enfrentam arrocho.

O plano em detalhes

 

A ANPR quer:

  • Reconhecer formalmente os valores de acordos judiciais como receitas próprias;
  • Levantar os montantes arrecadados em 2025;
  • Incluir esses recursos na proposta orçamentária de 2026, fora do teto de gastos;
  • E articular com Executivo e Legislativo para viabilizar a manobra.

 

Caso seja aprovado, o plano abre um perigoso precedente: transformar instrumentos de reparação social — criados para proteger o interesse público — em mecanismos de autofinanciamento de uma elite do funcionalismo.

📝 Análise final:

Essa proposta revela muito sobre a forma como se estrutura o poder orçamentário no Brasil. Enquanto a imensa maioria dos trabalhadores e serviços públicos opera sob o aperto do teto fiscal, grupos privilegiados (Procuradores do MPU) atuam para criar exceções para si mesmos. Cabe aos movimentos sociais, entidades sindicais e à sociedade civil acompanhar de perto, denunciar e pressionar para que verbas públicas continuem servindo à coletividade — e não a interesses corporativos de cúpula.